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1. |
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foi com a chuva que chopin aprendeu a tocar piano. não pensei
que a tristeza fosse ficar assim tão triste, mas tive que a deixar.
era de uma forma recorrente quando o fim de tarde me fazia
impraticável, por isso não pude mais ficar. chopin insiste em me
acompanhar, acha que possa me fazer mudar de idéia. a chuva
eu lembro, demorava em mim memórias inadmissíveis de
jasmim. mas para onde eu ia havia essa suavidade
incompreensível. chopin desde o início sabia para onde eu ia,
ele leu tudo que a lua escreveu em seus diários.
era primavera quando eu passava discreto entre meus
desesperos, esperando ser possível um suicídio sutil. lembro que
queria ouvir uma chuva que chopin não tocasse, a chuva que fez
sol em sua última tarde. então esqueci a dor dos ventos, a dor
que se disse necessária para que me nascessem pianos. e percebi
o quanto era ela quando havia aquela lua interminável,
inquietando de noite minhas lembranças de jasmim. chopin me
avisou, disse que ela iria me desperdiçar em incêndios sem
gravidade, guardar sem cuidado o que nos fosse para as pétalas
impecável. mas chopin não era mais o mesmo, há tempos tudo
que fazia era escrever sobre tristezas que a chuva não conhece
ou simplesmente esquece. chopin escrevia um dicionário de suas
tristezas para que a chuva pudesse entender.
caro chopin, tudo que escrevi não foi o que eu quis,
tampouco era o que sonhei. foi só o que eu vivi.
todos os que amam ou amaram um dia deixam a dor escrever
a sua biografia.
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2. |
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amor ainda virá a se vingar de mim, por tudo quanto não amei.
apenas por tudo o que eu não amei, e o que eu não soube amar.
porque não eram de belezas imediatas o que eu vi, o amor irá se
vingar de mim. quando eu não sei, pois ele trama em silêncio de
demoras as esperas que perdi olhando as rosas de renoir e
ignorando as de quem não as tem em quadros e jardins, mas as
carrega no olhar. sei que quando ler isso o amor não irá pensar em
mudar de opinião, porque o amor não me quer ver se desculpar.
o mar jamais foi mar porque um dia foi de perdoar. amor em todas
as formas agora irá de mim se vingar. mas não em vôos de
borboletas como foi antes. ou em palavras que já foram pássaros.
amor em todas as faltas é o que me espera. e dessa vez não irá me
esquecer com chuvas quentes no olhar. o amor deixará a noite
para os que não souberam amar. e esquecerá em rios impraticáveis
quem olhou lagoas mas não viu mar. o amor à noite me trará rosas
sem possibilidade de vinho, rosas pálidas feitas de pétalas
nubladas para me escrever noite a noite em todas as páginas a
tarde que não terei mais. porque de uma beleza tensa era a tarde
que vi em teus pianos, aquela suave tensão eu não terei mais.
mesmo porque o amor já percebeu minhas ansiedades discretas, e
apenas fez que não viu a tua sensata insensatez. desde ontem já
decidiu que não me quer em chuva, por isso fechou todos os
pianos. só depois é que me confessou que esse mesmo amor um
dia já se vingou de van gogh. tal amor ainda lembra a tarde
quando fez vincent calar seu ouvido para as cores que ele não quis,
pois pensava não terem chuvas suficientes em sua dor.
amor agora irá se vingar de mim, porque quem um dia eu fui,
não guardou amor para mim. guardou o amor apenas para seus
poemas e para os teus pianos. mas não pensou ter amor pelo que
houve, e por tudo que há entre os poemas e os pianos.
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about
poemas de Fernando Koproski
do livro "TUDO QUE NÃO SEI SOBRE O AMOR"
gravado em Curitiba entre junho e julho de 2003
credits
released September 13, 2012
Fernando Koproski nasceu em Curitiba, em 22 de janeiro de 1973. Publicou os livros de poemas: "Manual de ver nuvens" (1999); "O livro de sonhos" (1999); "Tudo que não sei sobre o amor" (2003), incluindo CD que apresenta leitura de poemas na voz do autor acompanhado pela guitarra flamenca de Luciano Romanelli; "Como tornar-se azul em Curitiba" (2004); "Pétalas, pálpebras e pressas", livro premiado com publicação pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (2004); e os livros que compõem a trilogia "Um poeta deve morrer: ""Nunca seremos tão felizes como agora" (7Letras, 2009), "Retrato do artista quando primavera (7Letras, 2014)" e "Retrato do amor quando verão, outono e inverno (7Letras, 2014)". Publicou a série de ficção "A complicada beleza", composta pelos livros: "Narciso para matar" (7Letras, 2016), "Crônica de um amor morto" (7Letras, 2016) e "A teoria do romance na prática" (7Letras, 2016).
Como tradutor, selecionou, organizou e traduziu as Antologias Poéticas de Charles Bukowski "Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém" (7Letras, 2005), "Amor é tudo que nós dissemos que não era" (7Letras, 2012) e "Maldito deus arrancando esses poemas de minha cabeça" (7Letras, 2015), bem como as Antologias Poéticas de Leonard Cohen "Atrás das linhas inimigas de meu amor" (7Letras, 2007) e "A mil beijos de profundidade" (7Letras, 2016).
Lançou o CD "Poesia em Desuso", registro ao vivo do recital que fez com o músico e compositor Alexandre França, apresentando poemas autorais, traduções e sua parceria musical, em 2005.
Como letrista, tem composições gravadas por: Beijo AA Força no CD "Companhia de Energia Elétrica Beijo AA Força"; Alexandre França no CD "A solidão não mata, dá a ideia"; Casca de Nós no CD "Tudo tem recheio"; e Carlos Machado nos CDs "Tendéu", "Samba portátil", "Longe", "Los amores de paso", "Bárbara" e no DVD "Longe ao vivo".
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