1. |
sonho com um poema
00:32
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sonho com um
poema
um poema que
sinta
o que sentem os
rochedos
frente à
insistência
delirante das marés
sonho com um
poema
um poema que
pense
o que pensam os
rochedos
em seus princípios
frente à
impaciência
azul das marés
quando sonho
sonho com um
poema
que pense em
rochedos
mas sinta
em marés
tudo o que a gente
puder
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2. |
aprendi a escrever
00:13
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aprendi a escrever com a dor que me ensinaram, aprendi a escrever com a dor que eu causei. decidi que não quero mais aprender a sentir o que não for amor.
decidi que não quero mais aprender com a dor o que aprendi ou ensinei.
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3. |
vênus de velázquez
00:28
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vênus de velázquez
vênus que vem em luas
em nem
pétalas de nuvens
vênus de rubens
vênus de uma beleza
a mais digna
que se possa pensar ou pretender
vênus de dalí
vênus que não guarda
esconder
uma a uma
vênus só veste
o que se fez sentir
um dia ainda, senhor
há de ser vênus
o que se deixa ver
em tudo que eu vivi
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4. |
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na tarde em que a morte me perguntou o que era o amor,
pensei que não fosse comigo. como se ela não soubesse...
amor talvez fosse só o que a tarde dissesse. ou talvez não.
por isso ela demorasse a falar, e no início só me dissesse
primavera em dias despedaçados, um ou outro outono que
mais pareciam pétalas que pressa para o poente. a morte,
era a única que não tinha o direito de ficar ali me olhando
simplesmente. por isso não estranhei quando ela perguntou
sobre meus poemas. como se ela não conhecesse aquela rosa
irrecusável, e a nitidez de suas pétalas noturnas que se
chamavam ternura. sei que para ela meus livros eram diários
de bordo inúteis. há tempos ela me falava que o naufrágio que
me tragava jamais seria compreendido. e que a tempestade –
essa sim era tudo que me restava. desde o começo das chuvas,
eu já desconfiava que a tempestade em todo escrito ou em
incompreensão minha, só deixaria sombras de marés nas
páginas. um azul irreparável esculpido em água, mas que todas
as palavras líquidas de azul não abraçavam. ainda assim não
desisti, mesmo porque era isso ou as páginas em branco. e as
páginas em branco me perturbavam, por não se conformarem
em ser apenas impaciências das ondas em quebrar.
quando a morte me perguntou o que era o amor, não falei
de poemas, de cartas ou de estórias que ela sabia ser somente
tentativas de ternura. pedi um cigarro e pensei em todos
aqueles pianos impecáveis, em desespero delicado
derperdiçados, alvejados por descuido por todos aqueles
pianistas que foram incapazes de se suicidar.
na noite em que a morte me perguntou o que era o amor,
eu olhei para ela
mas não disse nada.
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5. |
ela
00:44
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ela me falava que escrever era como morrer sol num mar de
monet eu bebendo minha dor como se fosse saquê ela me falava
que amor não era o que vênus vê mas o que psiquê um dia
pisque eu bebendo minha dor como se fosse whisky ela me
falava que mesmo que matisse mentisse eram flores de luz o que
vincent pensava às cores em contra-ataque eu bebendo minha
dor como se fosse conhaque ela me falava como se cada fala
aonde silêncio falta fosse nosso beijo esculpido por rodin a todo
instante eu bebendo minha dor como se fosse chianti.
quando ela me falava de sua dor, eu já bebendo qualquer coisa.
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6. |
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a possibilidade de lua me atormenta. sei que não
será sutil, tampouco sensato quando ela chegar. a
lua nunca é discreta. confissões, desastres, intenção
de vôo, suicídios, tudo que a gente for capaz
quando a lua daquele jeito no céu. sei que serei
inconsequente, certamente indesculpável. depois
que ela passar, vou me preocupar. tenho
atenuantes, não importa o que disserem. essa noite
azul o meu motivo, sem razões aparentes. depois
que a lua passar vou me preocupar. agora não, é
inútil, a lua não vai me deixar tão cedo. ela chega
inquestionável como um mar onde o delírio uma
música imprescindível. não adianta mais desviar o
olhar. nada mais há que eu possa fazer. agora a lua
é minha, minha e de mais ninguém.
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7. |
adeus
01:06
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adeus alto de edifícios, analgésicos, todas as
músicas. desse lado de alívio não há necessidade.
não mais morrer para matar a sede de céu de meus
olhos.
adeus filmes que não vi, o mundo da lua, o que
possa ser vício. desse lado não é preciso esquecer
de mim. sem sentido o silêncio quando os pássaros
são grávidos de azul.
adeus guarda-chuvas, o dia-a-dia, tudo que
pense que sei. desse lado despreocupa-se em se
sentir protegido. sem importância os telhados
quando a chuva de estrelas.
numa esquina qualquer um sonho me espera.
e não admite bagagens. ele tem no bolso uma
passagem em meu nome, com a volta já
antecipadamente marcada para nunca mais.
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8. |
quando eu morrer
00:22
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quando eu morrer
por favor não se ofenda
mas esqueça a missa, o terno, o velório
apesar do convite ser atraente
já tenho outro compromisso nesse horário
pode olhar na minha agenda
quando eu morrer
por favor me compreenda
como as folhas, nuvens, pássaros
que eles entendem
o poema não se prende
o poema venta
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9. |
ontem no outdoor
00:23
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ontem no outdoor
minha dor era outra
não a desse poema
uma dor como aquela
não se reprisa
como qualquer dor
de amor que se preze
deságua nos olhos com pressa
para que nada a represe
ontem no outdoor minha dor era outra
do jeito que é uma dor de fato
hoje com essa dor
espaço sobra até no porta-retrato
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10. |
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atirado na órbita de um bar
sou logo arrastado ao seu centro
tarde demais desvio o olhar
mas a noite já está lá dentro
onde me espera me chama
um mesmo balcão sem dor
corpos cobertos de chamas
girando devagar ao seu redor
do vermelho nas bocas nos neons
não dá pra se ficar imune
crivado de drinks cravejado de sons
o mar e o amar se unem
na saída tropeçando em letras
a lua tenta me pegar desprevenido
fazendo um céu sem estrelas
disparo meu último verso no ouvido
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11. |
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de como um certo poeta fernando
resolveu dar uma de pessoa
mas algo acabou dando errado
surgiu na área um tal de marcos prado
um aqui, este ali, outro lá
sem contar aquele parado
não importa aonde olho há
um eu meu ao meu lado
tinha um dado a conselhos
sempre me deixava um caco
pensando que fosse meu espelho
foi o primeiro que fiz em pedaços
setenta e sete anos de azar
fácil então não tem sido
não param mais de falar
agora de novo no meu ouvido
meus eus, cá entre nós
vamos enfim chegar a um acordo
vocês, me deixem a sós
eu, viver vocês todos? nem morto!
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12. |
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para os que se ocupam de fazer análises literárias
I. nos seguintes versos:
se fosse em virtude que se vivesse
quando um vício se distraísse
se quando vênus viesse
fosse em versos que me visse
não minhas vertigens
o que ela vestisse
o nome dessa figura de linguagem
não é aliteração
o nome
dessa figura de linguagem
é vida
ou os amores
que eu não tive.
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13. |
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para os que se ocupam de fazer análises literárias
II. nos seguintes versos:
porque meus ouvidos têm sede
do que você diz,
meus olhos têm essa sede
de quando você sorri.
porque se tuas tardes
têm sede de saber
quem vai nos amanhecer,
minhas manhãs têm sede
de tudo que te entardecer.
o nome dessa figura de linguagem
não é sinestesia
o nome
dessa figura de linguagem
é Ingrid
ou o amor
que ainda me vive.
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14. |
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para os que se ocupam de fazer análises literárias
VI. na seguinte canção:
meu bem, onde você estava que não notou?
o amor dessa vez deixou a tua intuição à toa
eu nunca te amei como você me amou
sinceridade se desculpa mas não se perdoa
agora não adianta você ser só meu amigo
e por acaso toda hora se encontrar comigo
porque não está para acontecer de novo
a memória não me esqueceu nem um pouco
o nome dessa forma poética
não é quarteto com rimas abab
ou tampouco ccdd
pois o nome apenas
de tal estrofe
não me diz como
naquela noite ela me falou
pense, se nem depois de um gin tem jeito
você ainda acha que teu charme tem chance?
meu bem, nem raiva te deixa mais ver direito
se sou revival ou rival em seus romances
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15. |
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um dia talvez
quando tinha 17
agora,
tarde demais
pra ser rimbaud
tarde demais
pra escrever tudo
que senti
e depois sumir.
noites por certo
de quando tinha 27
até que escrevi
uma ou outra,
mas para minha
maior surpresa
eu não morri
com janis
com jimi
com jim.
hoje tenho tantas tardes
florescem florenças
dentro de minha cabeça
e mesmo tendo pétalas
diante de pálpebras
diante de pressas
eu me sinto tão pobre.
tarde demais pra ser rimbaud
ou pra cometer suicídio
um pouco cedo ainda
pra pensar ser vinicius.
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