1. |
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porque há um excesso de céu nos olhos seus deixei
amanhecer páginas em branco sobre a neve para te conhecer.
porque há um excesso de céu nos olhos seus todos os nomes
do amor escrevi para te esquecer.
porque há um excesso de céu nos olhos seus noite a noite
tenho que te perder em tudo que for preciso. porque há um
excesso de céu nos olhos seus entendi que para as magnólias só o sentir tem sentido.
porque há um excesso de céu nos olhos seus de manhã li
lírios em teus delírios. porque há um excesso de céu nos olhos
seus de tarde vi verdade nas violetas.
porque há um excesso de céu nos olhos seus sei que se
temos uma crise depois temos crisântemos. porque há um
excesso de céu nos olhos seus ontem enterrei todos os
cadáveres das flores que a florista não quis.
porque há um excesso de céu nos olhos seus ignorei rasguei
todas as cartas que o outono me mandava. porque há um
excesso de céu nos olhos seus agora o inverno jamais irá saber meu endereço outra vez.
porque há um excesso de céu nos olhos seus um telefonema
me despertou no meio da noite. era a primavera apreensiva e
ofegante. uma primavera repleta de relógios hesitantes.
porque há esse excesso de céu nos olhos seus um telefonema me despertou no meio da noite no meio da manhã no meio da tarde. era a primavera. e eu disse
sim.
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2. |
esse flamenco
02:49
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esse flamenco
é de um encanto agressivo
como tudo que não falado
é escrito
por um amor desesperado
é de uma graça
e de uma agressividade
graça como a de um vestido
que vermelho se abre em pétalas
e agressivo como um olhar
onde as rosas vestem espinhos
é de uma graça
e de uma agressividade
esse flamenco
que faz as rosas despertas
porque vê nos espinhos
um caminho para as pétalas
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3. |
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um dia perfeito para morrer
um dia perfeito para morrer
é hoje, um dia será ontem,
aonde a gente foi amanhã, não
um dia perfeito para morrer
é o primeiro dia da primavera
nunca o último do verão
um dia perfeito para morrer
é todo dia em que a vida vem
e você pára para ver o mar
um dia perfeito para morrer
é quando se passa o dia inteiro
com os amigos num bar
um dia perfeito para morrer
é todo dia que distrai
o teu diário da dor
um dia perfeito para morrer
é o do primeiro beijo
nunca o último de um amor
um dia perfeito para morrer
adianta um céu no que
a gente tem sede de ser
um dia perfeito para morrer
é todo dia em que
não se pode deixar de viver
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4. |
tango flamenco
01:00
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tango flamenco
quando o seu andar
de lagoa
dança o ballet
distraída me mostras
a fragilidade das águas
azuis aos teus pés
quando o seu andar
de lagoa
dança o ballet
teu vestido marés
quando o seu andar
de lagoa
dança o ballet
antes viver no poente
imperturbável
de nós dois
que morrer em todas
as rosas que não és
depois
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5. |
ódio platônico
00:49
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ódio platônico
a tua dor que me desculpe
o que você sente nem tem mais sentido
amor então que me preocupe
mas o teu ódio não será correspondido
para odiar te falta destreza
nesse olhar mais mágoa que a tristeza
se ainda não tiver percebido
tua aspereza não me deixa comovido
nem se disser que o que você sente
para nós dois é suficiente
terá possibilidade
um dia você vai entender obsessão
e não ódio de verdade
o que se odeia quando se adia o coração
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6. |
a morte / tantas rosas
04:58
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a morte tem olhos de poente, de um poente lilás
aparentemente inofensivo no meio de tantos azuis.
tive um amor que vestia vermelho não importa que
vestido vestisse. ignorava o sol, só a noite o
significava. quando vinham os violões, meu amor
era o vinho, uma fogueira, as lágrimas e o mesmo
poente, tudo que ardia inevitável como uma perda
incompreensível, definitivo como a intenção da lua,
quando fica um pouco vermelha querendo chegar
mais perto do chão, esquecendo que é lua e me
convidando para dançar.
tantas rosas represadas dentro de mim, num jardim
que pensei não mais existisse. as rosas rompem uma
imensa barragem de relógios. agora os dias não
podem mais as conter, confiar na eficácia de seus
céus cinzas. as rosas aprenderam a viver apenas dos
solos de violoncello, a beber em chuva o amanhecer
e todos os entardeceres. quando o cinza cede, o céu
não mais me seda. irrompe uma torrente de flores,
todas vermelhas. um cabernet de rosas. impossível de
as estancar, as pétalas fogem violentas do meu peito,
não perdoam minha camisa branca, mancham tudo
que toco, cada página que escrevo. fingir não pode
reter essas rosas, tampouco a razão pode as coagular.
elas irão me denunciar. demorar com pressa pétala a
pétala meu amor.
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7. |
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a song that sings butterflies
há borboletas dentro de minha cabeça, querendo sair a
qualquer custo. não as importa o escuro de dentro, mas esse
som que não é música – um ruído que azul as faz flutuar por
todas as possibilidades incontornáveis de dor.
há borboletas se debatendo dentro de minha cabeça.
e não sei o que fazer. hoje elas já amanheceram assim. as
borboletas me olham azuis, as borboletas nascem azuis.
nascem da fragilidade feito a fragilidade fosse flor e não o fim.
a ternura são todas as pétalas do jardim. as borboletas são
entrega de sol ao lago. são sins, são nãos, são talvez. sins de
cisnes em não de noites, talvez a tez que têm todas as flores.
as borboletas, só o que há entre o início e fim dos beijos de
nós dois.
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8. |
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tudo que cabe dentro de um beijo é tudo que comece e não
acabe dentro de um beijo. tudo que cabe dentro de um beijo é
tudo que sei que não se sabe dentro de um beijo. um céu de
claridades irrepreensíveis depois da chuva uma terra de belezas
indevassáveis depois da chuva que há dentro de um beijo. tudo
que cabe dentro de um beijo é tudo que tive tudo que me vive
tudo que Ingrid. tudo que tive é toda a chuva de dentro de um
beijo. tudo que me vive é toda chuva que foram pianos dentro
de um beijo. tudo que Ingrid... só o que tive e me vive dentro
de um beijo. tudo que cabe dentro de um beijo é todo vinho que
não se sabe nas rosas é toda noite que não se nota nas pétalas.
tudo que cabe dentro de um beijo é tudo que não sabe ser
magnólia em teu escuro despetalar teu despedaçar despedir e
despertar. tudo que cabe dentro de um beijo é todo azul que de
céu alaga teu mar toda lua que abre em magnólias atrás do céu
quando o céu tem de nublar. tudo que cabe dentro de um beijo
é todo voltar – de todo o inverno, por todo o verão. verão de cada
sentir e inverno de todo pensar.
tudo que cabe dentro de um beijo enfim apenas cada te ver onde
escolhi morrer meu olhar.
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9. |
a minha dor
01:09
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a minha dor só pode estar doente
aonde já se viu não doer desse jeito?
sem dor o que é que será da gente?
era uma dor pra nem poeta ver defeito
o poema agora que não me desminta
uma dor assim não é dor que se sinta
dor que é dor só escuta samba triste
se depois faz blues é só por despiste
sei que não é coisa para se pedir, senhor
mas o que será desse poema, sem dor?
ah, uma dorzinha que seja, ao menos uma vez
só para morrer em sim todo o talvez
uma dor assim para na gente doer
o que parece que até não é mais dor
uma dorzinha só, para ninguém ver
quem me adoeceu o doer de um amor
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10. |
poema da primavera
08:41
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tenho que ter cuidado com a primavera, ela faz essas
flores todas de propósito. ando num jardim visível
somente aos ouvidos onde faz manhãs que nunca vi
antes. as flores para mim são desconcertantes porque
me lembram como eu era, e na frente delas não sei
disfarçar. quando adormeço confio em chuvas
indecisas. conheço todas as estratégias da primavera,
sei o que cada olhar, cada ato significa, mas quando
ela vem esqueço tudo que aprendi, às vezes me
entrego aos arranjos mais ingênuos. se ao menos ela
viesse sozinha sem canções, mas parece que ela faz
questão. acontece que agora não será assim tão
simples, estou lúcido, absurdamente sóbrio, e dessa
vez não irei me render às rosas.
as rosas – quem diria – têm um alcance impressionante
quando saem dos auto-falantes.
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11. |
se fosse
00:39
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se fosse em virtude que se vivesse
quando um vício se distraísse
se quando vênus viesse
fosse em versos que me visse
não minhas vertigens
o que ela vestisse
viver seria tão simples
ventos
para o que as nuvens sonhassem
valsas
para o que os violoncellos
sentissem
em nuvens exaustas tanto azul
tanto quanto existisse
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12. |
o livro da saudade
01:39
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o livro da saudade mora dentro de mim. ele tem impressa
página por página uma pressa por toda falta que em vento se
despressente em pétalas.
o livro da saudade tem as suas páginas todas em branco. uma a
uma preenchidas por versos de líquida nuvem. assim para que não
se divise memória de esquecimentos. feito esse seu céu e meu mar
para as noites – uma só escuridade grávida de manhãs azuis.
o livro da saudade é um concerto escrito originalmente pela
chuva numa tarde de sol para dois pianos e orquestra. enquanto
um toca allegros lembrados pelo outono. o outro, todos os
adágios esquecidos pela primavera.
o livro da saudade tem versos de tez branca, um talvez das
pétalas enluaradas de jasmim. tem a nitidez nublada de pinturas
sonhadas, os olhares de despedida inconformados dos quadros,
enfim todos os diálogos desesperados de filmes de amor.
o livro da saudade às vezes parece ser todo livro que leio, vejo,
ou que distraidamente sou.
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